terça-feira, 12 de maio de 2015

ENTREVISTA

“Eu vejo o município de Jequié hoje com uma perda muito grande em relação a alfabetização”



Pedagoga, com especialização em Educação Especial Inclusiva, Psicopedagogia, Transtorno Global do Desenvolvimento, Gestão Educacional e Planejamento: essa é a formação atual da professora que foi alfabetizadora durante seis anos. Com formação da Fundação Luís Eduardo Magalhães na qual ganhou o título de professor alfabetizador depois de fazer uma prova e uma aula pública, ela nos concedeu entrevista para conversar sobre a situação da alfabetização na época em que lecionava, fazendo comparação com a conjuntura atual no Município de Jequié.

Leia a seguir, trechos dessa entrevista:

A Alfa e suas Exper.: Você trabalhou numa escola pública ou particular? Em qual período?

Professora: Escola Pública, em 1994.

A Alfa e suas Exper.: Quais as dificuldades enfrentadas na escola na qual trabalhava? De que maneira eles eram superados?


Professora: As dificuldades eram aquelas que os professores da escola pública normalmente se queixam: o número de alunos por sala (em média 35 alunos nessa faixa de 6 anos), falta de material didático na escola, falta de uma estrutura física adequada, enfim, bem parecidas com as de hoje. Os problemas eram superados na medida do possível, como podíamos, utilizando materiais que estavam ao nosso alcance: jornal e revistas usadas, levávamos tesoura e cola de casa, etc. No sentido de superação mesmo, de você dá conta de uma realidade, trazendo recursos que estão fora do que o sistema lhe oferece.



A Alfa e suas Exper.: Qual é o perfil dos alunos (idade, situação socio-econômica, escolarização anterior)?


Professora: Falando de idade, eram alunos de 7, 8, 9 anos. No perfil sócio-econômico a escola estava localizada num bairro periférico e pobre da cidade, uma escola de comunidade. Inclusive a rua era conhecida como rua do meretrício (chamado de “brega”). As famílias tinham pouco poder aquisitivo e tinham essa questão social, morando nesse contexto. Muitas crianças não sabiam quem era o pai, porque as mães engravidavam lá na casa de prostituição. Com relação à escolarização anterior, existiam poucas escolas de educação infantil em Jequié, sendo que as que tinham eram oferecidas pela comunidade católica de Jequié. Então, algumas vinham da creche, outras não. Até  a idade de 6 anos elas ficavam na rua, brincando, presenciando muitas vezes a vida noturna das mães.


A Alfa e suas Exper.: Qual era a sua formação na época?


Professora: Na época eu não tinha nem formação em pedagogia, só tinha em magistério. E tinha alguns cursos de capacitação, na área do método montessoriano, cursos na UESB na área de alfabetização.

A Alfa e suas Exper.: De que forma você trabalhava os conteúdos disciplinares no processo de alfabetização?


Professora: Como tínhamos uma grade curricular onde tínhamos que dar conta de todas as disciplinas, a gente buscava trabalhar tomando como base a questão da linguagem oral e escrita percebendo a necessidade do alunos de melhorar e adquirir a escrita e a fala. A gente ia trabalhando os conteúdos prevendo a busca do aperfeiçoamento da linguagem, para que as crianças pudessem está treinando justamente para melhorar as habilidades delas.


A Alfa e suas Exper.: Como você trabalhava a questão da diferença de fases de aquisição da lecto-escrita em sala de aula?



Professora: Quando eu fiz o magistério eu não tive essa informação, por isso quero pontuar a importância da formação continuada. Então quando eu fui formada eu aprendi que existia métodos de formação: sintético,  global e eclético. Só que na hora da prática qual era a minha ideia enquanto professora? Alfabetizar os meninos como eu fui alfabetizada (o método sintético, partindo das letras para o texto). Na medida que fui trabalhando dessa forma, e também fiz um curso com a professora Shada  Martha, que era doutora em alfabetização pela UFRJ, ela veio trazendo essa discussão  sobre o construtivismo. Então eu aprendi que o construtivismo não é método e sim uma filosofia de trabalho, uma teoria, baseada na epistemologia do conhecimento de Piaget, onde Emília Ferrero traz um questionamento: é possível o sujeito construir o seu conhecimento? Então ela faz pesquisas de como o sujeito adquire o conhecimento da escrita e publica, difundindo o construtivismo. Erroneamente, no tempo que eu trabalhei como alfabetizadora os professores deixavam de fazer o método sintético que sabiam fazer e começaram a fazer nada. Na verdade, como toda teoria, chegou e não podia mais mandar o menino lê o ‘B’ e o ‘A’, e nós professoras ficamos sem saber o que fazer. Como eu estava na Faculdade nesse período comecei a saber mais sobre essa teoria, e fazendo bom uso dela pude perceber que realmente eu poderia colocar algumas atividades em prática e perceber que realmente essas fases acontecem e que de fato a criança pode construir o seu conhecimento da linguagem sem precisar necessariamente você está repetindo exercícios de memorização.

A Alfa e suas Exper.: Quais eram as dificuldades encontradas em sala de aula no que diz respeito à alfabetização dos alunos?

Professora: A questão do letramento. Uma coisa que eu percebi foi que o método sintético correspondia bem com aquela clientela porque eles tinham muito pouco letramento na área de linguagem, era muito restrito. Eles não tinham em casa material escrito para observar, eram crianças que na condição social que viviam elas na tinham muito acesso a material escrito, elas não eram incentivadas à leitura, elas não tinham familiares que liam em casa e por isso não tinham experiência com a função social da escrita. Então, a dificuldade que eu tinha era que pra trabalhar num método mais global numa situação daquela ficava complicado porque as crianças não tinham vivência. Então além de alfabetiza-las, fazendo atividades para cada nível de escrita, também tínhamos que fazer a parte do letramento, que era a contando histórias, trazendo jornal e revista pra sala; muitas vezes as crianças pegavam a revista de cabeça pra baixo, rasgavam o material, brigavam muito porque tínhamos pouco material e dividíamos eles em grupos, eles não viam aquele material de forma curiosa, como se buscassem alguma coisa. Isso pra mim foi uma dificuldade.

A Alfa e suas Exper.: Qual é o método que você utilizava para alfabetizar?

Professora: Inicialmente a partir da minha experiência pessoal de alfabetização e do que tinha aprendido no magistério, apresentando a letra, depois a sílaba, depois formar as palavras. Com o tempo, fui me informando e me formando, já comecei a trabalhar mais com apresentação de textos, trabalhar o contexto, com produção livre dos alunos, pegar o texto fazer grande numa cartolina ou no quadro, comparar o texto dos alunos com o texto correto, para que eles perceberem o que tava diferente, aprendi a ter uma concepção diferenciada do que era o erro. Assim fui clareando minha visão e modificando a minha prática, passando de sintético para global depois de uma compreensão do que era trabalhar essa alfabetização de uma forma mais ampla. E a gente percebe que ela é muito mais rica, muito mais significativa para o aluno, e muito menos dolorosa.

A Alfa e suas Exper.: O que você tem a dizer sobre a alfabetização das escolas públicas atuais?

Professora: Hoje, mesmo tendo saído da educação regular, porque trabalho na educação especial, acompanho esse trabalho como professora itinerante, como psicopedagoga (avaliando essas crianças que chegam na minha instituição), eu percebo que o método sintético que foi tão criticado ele ainda existe, tem muitas escolas que trabalham dessa forma, a postura tradicional ainda persiste. Eu acho que hoje muitos professores alfabetizadores se sentem perdidos em relação ao método, à postura de professor, a teoria.. No município de Jequié se adotou o ciclo básico de desenvolvimento, que é o ensino fundamental de nove anos, mas os professores parecem não compreender como funciona esse ciclo, só mudando a nomenclatura, ainda por cima se instaurando a cultura da progressão automática, pois os professores acreditam que não podem reprovar, mas também não trabalham de forma processual, como o ciclo pede ainda seriando as crianças. Claro que hoje com a solicitação de formação, todo mundo passa pelo curso de Pedagogia e chega com outra visão. Mas quando chega lá na prática eu penso: as condições da escola continuam as mesmas, poucas coisas melhoraram, acho que a quantidade de aluno por sala, a oferta de educação infantil aumentou um pouco, mas falta ainda professor alfabetizador, professor que participe desse processo junto com a criança e que realmente tenha condição de levar essa criança ao conhecimento através da construção. A alfabetização ainda é muito decodificação, não dando a criança condições de sair de uma fase da lecto-escrita para outra, as atividades sempre as mesmas para todas, por isso algumas chegam com oito anos sem se alfabetizar, porque a metodologia da alfabetização ficou perdida dentro dessa teoria de ciclo básico de desenvolvimento e de aprendizado. Então eu vejo o município de Jequié hoje com uma perda muito grande em relação a isso, percebo que a nossa alfabetização está precária porque tem crianças que chegam no ensino fundamental II sem saber ler. Isso é tanto uma realidade que o Governo Federal resolveu fazer o Programa de Alfabetização na Idade Certa, que foi implantado no ano de 2012, e eu espero que as crianças sejam orientadas, porque elas tem condição sim de serem alfabetizadas aos 8 anos de idade. Então, muitas dificuldades tem surgido, os professores se queixam muito das crianças que tem dificuldades de aprendizado, mas que na verdade a criança ficou numa fase da escrita porque não é oferecido desafios para que ela possa avançar para próxima fase. Ou então ela chega na fase alfabética, e fica naquela fase, sem criar fluência, nem melhorar a sua escrita, sua ortografia.. Isso mostra que há muitos equívocos, como todas as teorias, e em todas as áreas, as teorias vem e não são discutidas, quando eu vi essa coisa do ciclo básico foi a mesma coisa que aconteceu em 96 com o construtivismo, aquela febre, mas sem base teórica.

Para ler a entrevista na íntegra clique aqui!